“O MURO”

“O Muro” é uma instalação interativa idealizada pela equipe do projeto “Eu sou” a partir de fotos realizadas por 80 crianças e adolescentes moradores do Jacarezinho, favela localizada no subúrbio do Rio de Janeiro.

Esse projeto é resultante da revisão de uma estética até então aprisionada por critérios de beleza e qualidade sempre distantes desses jovens. Na verdade, são critérios localizados do outro lado do “muro social” que divide a cidade.

Nosso objetivo com a apresentação desse trabalho vai além da confirmação dos fortes resultados trazidos pela arte-educação para a sociedade.

“O Muro” pretende fundir o olhar do espectador ao olhar da criança e, no mínimo, dar oportunidade a qualquer contemplador de enxergar através dos olhos de quem mora numa comunidade.

A prática de novos olhares promove a ampliação de opiniões, reduz preconceitos, aceita a diversidade; “muros” podem mesmo ser desconstruídos, para que se promova o livre intercâmbio entre culturas.

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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

“Estéticas aprisionadas” Tema das palestras ministradas por Helio Rodrigues na EAV- Escola de artes visuais do Parque Lage em janeiro de 2013




Passei grande parte da infância me sentido um peixe fora d’agua, experimentando uma quase constante sensação de não pertencimento até os meus 13 anos quando a arte me foi apresentada.
Foi ela que deu condições para eu ir me construindo e desconstruindo ao longo da vida; é claro, repleto de dúvidas e conflitos. Mas foi com ela que descobri a intensidade, inclusive nos prazeres que passaram a existir. Muitos anos depois, criar e desenvolver o projeto social  “Eu sou” não foi à toa. Não foi uma atitude heroica, como já quis acreditar, nem tão pouco altruísta. Penso que tudo começou por uma vontade de rever e tratar profundamente a minha própria identidade.
Parece frase pronta mas, aprendo muito com as crianças, os jovens e com a equipe. Me exigem praticar a pluralidade e não apenas acreditar nela. O projeto reúne ações que me permitem rever, refletir e interagir com a tal sensação de não pertencimento que experimentei na minha infância.
A verdade é que essa sensação, somada à falta de escolhas é muito comum também entre os jovens moradores de favelas. Dentro de suas comunidades existem dois espaços muito fortes que se apresentam como escolhas: a criminalidade ou a igreja.
As favelas desenvolvem uma cultura própria bastante importante, mas que acaba produzindo uma estética restrita, cerceada pelos muros sociais. É essa estética que passa a ser identificadora de uma massa de pessoas que vive nessa condição. Não há verdadeiramente individualidade. A favela em si é a grande mãe que concentra a identificação.
Percebe-se que, quando essas crianças e jovens incentivadas pelo contato com a universalidade da arte, atravessam o muros que separam a sociedade marginal da sociedade formal, entram em contato com a pluralidade estética.
Na questão da estética, por mais que não haja condutas discriminadoras por parte da equipe de profissionais, muitas vezes, os próprios alunos, contaminados por essa “nova estética” desenvolvida, passam a apresentar uma espécie de desprezo por suas origens. Outros, abandonam o projeto como se quisessem apagar a própria sensibilidade. Possivelmente prevêem as mudanças que podem ocorrer em suas vidas.
As duas possibilidades são na verdade muito perigosas. Por isso  surgiu um segundo movimento dentro do projeto. Criamos uma série de atividades artísticas baseadas fundamentalmente em dois conteúdos:
1- Diferenças entre um olhar extraordinário e um olhar ordinário.
2- O poder que pode ter um recorte de qualquer coisa, quando este é descontextualizado.
Depois de uma série de propostas baseadas nesses conteúdos, pedimos que cada um, munido de seu olhar ampliado, recortasse fotograficamente uma imagem de sua comunidade. Os resultados foram surpreendentes.
 “O Muro” é na verdade constituído por esses recortes. Um muro vazado pela sensibilidade de muitos olhares. É o resultado da intervenção da arte na vida desses jovens. Traz dentro dele a oportunidade de reavaliação da força que pode ter o olhar, como ferramenta que pode promover libertação e consequentemente crescimento.
Todos nós, da favela ou do asfalto, vivemos na verdade entre estéticas aprisionadas. Somos regidos por um poder maior que nos dita o que devemos aplaudir ou rejeitar. Tudo para pertencermos a algum meio social. 


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